Joni Eareckson e Ken Tada
Joni Eareckson Tada é tetraplégica. Ela perdeu todos os movimentos do corpo do ombro para baixo em um acidente, aos 17 anos. No verão de 1967, ela nadava com amigos quando fraturou a coluna cervical ao mergulhar em um local raso. A história do acidente, da sua recuperação e da luta para aceitar sua nova condição são relatados no livro Joni (Ed. Vida, 1976), posteriormente transformado em filme. Hoje ela é palestrante e tem um ministério dirigido a pessoas com deficiência (www.joniandfriends.org).
O relato a seguir começa quando ela está com 30 anos.
Como tudo começou
20/4/1980 (dom)
Normalmente o culto na igreja era revigorante, mas sempre havia exceções. Como dessa vez – Joni estava se sentindo distraída, desligada e até um pouco desanimada. Não conseguiu acompanhar a oração inicial do dirigente do culto, e o primeiro hino – “Que segurança, sou de Jesus!” – soou sem graça e arrastado. Sua assistente olhou‑a de lado, estranhando por ela não cantar como de costume. Talvez fosse apenas impressão de Joni, mas a congregação inteira parecia inquieta e desconcentrada.
Como se não bastasse, o pregador do dia era algum convidado desconhecido. Joni suspirou. Queria tanto ouvir seu pastor pregar, daquele jeito direto dele, sem enrolação, indo direto para a Bíblia. Mas nããão… tinha que ser outro cara, que começou a mensagem com uma história comprida e sem ligação aparente com o tema.
Joni começou a viajar. Duas fileiras à sua frente, viu um casal: o homem com o braço em torno do ombro da moça – uma cena bonita. Mas isso despertou lembranças antigas: namorados da adolescência, de antes do acidente. E desejos e decepções e esperanças enterradas. Ela tentou se concentrar de novo na mensagem, mas, a esta altura, tinha perdido o fio da meada. Até o pregador parecia meio perdido.
Reparou então num homem umas cinco ou seis fileiras à frente. Não sabia o que lhe chamara a atenção: talvez fosse o cabelo preto e grosso. Naquele momento, ele virou a cabeça para o lado e se esticou para pegar uma Bíblia no banco. Era bonito. E estava sozinho.
Antes que suas divagações desandassem de vez, Joni resolveu mudar seu foco. Se não dava para prestar atenção na mensagem, queria ao menos fazer algo de útil com seus pensamentos. Começou a orar. Pediu perdão por estar tão insatisfeita e ranzinza, e por não conseguir controlar esses pensamentos tão bobos e egoístas. Depois continuou: “Pai, quero conversar um pouco com o Senhor sobre este homem bonito de cabelo preto. Este homem que o Senhor já conhece desde antes da criação do mundo. Quero orar por ele! Se ele já ama o Senhor, que possa conhecê-lo de forma ainda mais profunda. Ajude‑o a obedecer-lhe. Se ele tiver namorada, ajude‑o a perceber seus erros se por acaso não estiver se comportando corretamente. Se for casado (se bem que não estou vendo esposa!), faça‑o ser fiel aos seus votos. Não permita que ele adultere, mesmo que apenas em pensamentos. Fortaleça‑o contra o inimigo e todas as tentações do mundo. Senhor, que a oração seja uma parte importante da vida dele, e que ele tenha alegria redobrada quando testemunhar.”
Isso estava bem melhor! Passou-lhe pela cabeça a ideia de que tudo isso talvez tivesse sido o plano de Deus desde o começo: que o homem viesse à igreja hoje para que ela pudesse interceder por ele. Ela continuou pedindo por ele, pela sua família, pelo seu testemunho em casa e no trabalho, pela sua saúde… e também pela sua conversão, caso ainda não fosse filho de Deus.
De repente, o culto chegara ao fim – o tempo tinha voado! Joni terminou o culto bem melhor, feliz porque Deus a ajudara a vencer a insatisfação e os pensamentos descontrolados. Sentiu que ele também responderia suas orações no momento e do jeito dele.
Quando o homem levantou, Joni viu que ele tinha uma aparência oriental – quem sabe fosse da Ásia ou talvez do Havaí… Por um momento, sentiu-se tentada a falar com ele, mas logo desistiu. O que ele pensaria dela?
Amigos?
18/5/1980
Quase um mês depois, mais um culto dominical chegava ao fim. Dessa vez, a mensagem tinha sido do pastor de Joni, e ela não tivera dificuldade nenhuma em acompanhar o culto inteiro de coração e mente atentos. Depois do culto, um amigo de Joni apresentou-lhe um desconhecido asiático-talvez-havaiano, que lhe pareceu um tanto familiar.
De repente, Joni sorriu e pediu-lhe para ficar de costas para ela.
“Virar de costas?”, perguntou o homem, intrigado, achando que não tinha escutado direito.
“Sim, só um momentinho. Quero ver a parte de trás da sua cabeça.”
Ele fez o que ela pediu, e logo virou para ela novamente. E então Joni teve certeza: lá estava aquela bela cabeleira preta. Explicou-lhe então que tinha orado por ele num domingo em que não conseguira se concentrar na mensagem. Eles riram muito e conversaram mais alguns minutos. Ken – este era o nome dele – parecia surpreso e feliz.
7/7/1980
Não era bem o que Joni tinha planejado para julho: passar o melhor mês do verão na cama. Ela tinha desenvolvido algumas úlceras por pressão, problema frequente em pessoas que passam muito tempo imobilizadas na cama ou em cadeiras de rodas. O jeito de tratar era aliviar a pressão sobre estes pontos, e isso significava muito tempo de cama, deitada em almofadas especiais.
Neste dia, Joni estava sonolenta depois do almoço, quando sua assistente anunciou uma visita. E eis que entra no quarto… Ken Tada, sorrindo. Ele explicou que ouviu que ela estava confinada à cama e quis passar para dizer oi. Mas que também tinha mais uma surpresa. Saiu do quarto e voltou em seguida com uma estranha estrutura de madeira, obviamente feita por ele mesmo. Era um cavelete de pintura – feito para ser montado sobre a cama hospitalar dela!
“Agora você pode pintar de novo, se quiser.”
Depois que ele saiu, Joni fechou os olhos por um momento para pensar na bondade de Deus. O Senhor fizera com que ela orasse por um estranho num domingo de inquietação, e agora trazia este mesmo homem para visitá-la, com um presente atencioso e prático para ajudá-la a superar o demorado período de recuperação. E ainda por cima lhe dera um novo amigo!
15/10/1980
De quem teria sido a ideia de convidar Ken Tada para a festa de aniversário de Joni? Ela desconfiava de Carol e Twila, duas amigas da igreja, anfitriãs da tal festa. Aliás, era engraçado: toda hora ela esbarrava com Ken na igreja. E também o vira na plateia de um discurso que ela fizera em outra cidade. Mas ela mal o conhecia, e sua presença na festa parecia muito suspeita.
Joni não negava que ele era atraente. Tinha cabelo preto e cheio, um rosto bonito, olhos castanhos um pouco puxados. O pescoço e os braços musculosos indicavam que ele era atleta. Também parecia um pouco tímido, mesmo cercado por amigos. Ela gostava do jeito que ele conversava com as pessoas, olhando diretamente para elas, prestando atenção ao que diziam. E ele sorria muito, não só com a boca, mas com o rosto inteiro.
Joni ficou quase a festa inteira no mesmo canto, conversando com um e com outro, tentando não chamar atenção demais em sua cadeira de rodas. Não esperava que Ken viesse falar com ela ou mesmo olhasse para ela – mas estava um pouco decepcionada. Quando as pessoas começaram a se despedir, Ken se aproximou dela também, mas ficou enrolando. Começou a puxar papo com Joni, encostado na parede ao lado dela. Ela descobriu que ele morava em um apartamento próximo, que gostava de História, que era professor de Ciências Sociais no colégio do bairro e que era treinador do time de futebol americano. Também descobriu que ele não era havaiano coisa nenhuma – era japonês.
Quando se despediram, Joni foi falar com Carol na cozinha, para agradecer pela festa. Enquanto isso, Twila esvaziou a bolsa da sonda que Joni sempre usava. Neste nomento, Ken apareceu de novo, com o casaco sobre o braço.
“Fiquei pensando… que tal jantarmos juntos na sexta-feira para continuar nossa conversa?”
Nem piscou diante da cena da bolsa sendo esvaziada. Joni respondeu:
“Acho que sim. Com certeza, eu adoraria.”
Combinaram que ele a buscaria às seis horas na sexta.
Só a caminho de casa Joni percebeu que tinha recebido e aceitado um convite para sair, como se fosse a coisa mais natural do mundo. A única coisa não natural tinha sido aquela história da bolsa. Mas ela também já tinha aprendido há muito tempo que não dava para disfarçar a tetraplegia. Se Ken realmente estivesse interessado, teria de aprender a lidar com essas coisas também. Talvez a bolsa servisse para espantá-lo – ou não…
Primeiro encontro
24/10/1980 (sexta)
Quando Ken apareceu para buscar Joni, as assistentes delas tiveram de lhe dar um curso rápido de como tirar e colocar Joni na cadeira de rodas sem ajuda, como ajeitar o casaco nas costas para que não ficasse alguma dobra incômoda e como dobrar a cadeira de rodas para guardá-la no carro. A caminho do restaurante, Joni tentou não se importar com o fato de que não tinha como esconder seus problemas. Afinal, estava saindo com um homem que claramente amava a Jesus e gostava dela o suficiente para encontrar uma forma de enfrentar todas aquelas dificuldades sem constrangê-la.
Joni arregalou os olhos quando viu o restaurante escolhido: um lugar chique, à beira da baía, com mesas com vista para a marina. Durante o jantar, conversaram sobre o ministério dela (Joni and Friends[2]), sobre Judy e Kerbe (suas assistentes), sobre os alunos dele e os amigos em comum na igreja. Ken ajudou‑a a comer e beber, como se já tivesse feito isso milhões de vezes.
Quando Joni quis saber se ele já tinha experiência em lidar com pessoas com deficiência, ele contou que, depois de assistir a um programa de TV sobre as Paraolimpíadas, tinha se inscrito para trabalhar com atletas paraolímpicos na sua escola. E acrescentou:
“Faz alguns anos que trabalho com eles.” Sorriu. “Mas sair com alguém em cadeira de rodas? Isso é novidade para mim.”
“Bom”, respondeu Joni, “tenho mais uma novidade para você.”
“O quê?”
“Preciso que alguém esvazie a minha bolsa da sonda.”
Ele ficaria constrangido – nem um pouquinho? Pelo jeito, não.
“Ok, diga-me o que fazer.”
Ele empurrou a cadeira dela para fora do salão, mas hesitou na entrada dos banheiros: o das mulheres à esquerda e dos homens à direita.
“Hm, acho que teremos um problema aqui.”
Joni riu, e pediu-lhe então para levar a cadeira para fora. Esvaziariam a bolsa junto de uma árvore.
Assim, tudo começou com risadas. Não houve estranheza nem desconforto. Ken descobriu que se sentia à vontade com essa mulher superfamosa, que por acaso não movia um músculo abaixo do ombro. E Joni percebeu que podia curtir a companhia de um homem atraente e de bom coração, que olhava para além da sua celebridade e das suas deficiências e a via como mulher e amiga.
Casamento
3/7/1982
Um ano e oito meses depois, chegou o grande dia. O período do namoro e noivado não foi fácil. Os pais de ambos tinham suas reservas em relação ao relacionamento. Havia muitas dúvidas e pouquíssimas respostas sobre como esse casamento funcionaria. Mas, ao longo dos meses, tanto Joni quanto Ken confiaram suas dúvidas a Deus e buscaram orientação dele. Acabaram descobrindo que não se tratava de simplesmente descobrir se poderiam viver juntos, mas principalmente de ter certeza de que esta união serviria para promover o reino de Deus.
Ken acompanhou Joni em algumas viagens ao leste europeu durante este tempo (na época em que a Cortina de Ferro ainda existia e havia forte perseguição à igreja cristã em países como a Romênia e a Polônia). Viu as dificuldades do dia a dia, e percebeu que Deus lhe mostrava uma tarefa muito específica: apoiar Joni com todas as forças para que ela pudesse levar a mensagem do amor de Deus a pessoas que de outra forma dificilmente teriam acesso a ela.
Em julho de 2015 eles comemoram 33 anos de casados. Houve alguns períodos especialmente difíceis. Ken enfrentou depressão. Além de ser tetraplégica, Joni lutou muitos anos contra dores crônicas e, mais recentemente, descobriu um câncer de mama. Teve de fazer mastectomia. Perguntada como encarou essa situação tão difícil para a autoestima de uma mulher, ela respondeu:
Acho fantástico ouvir Ken dizendo isso a muitas pessoas – que ele se apaixonou por mim por causa do meu coração, e não por causa do tamanho do meu sutiã ou das minhas roupas ou do meu peso. Tanto faz se estou em uma cadeira de rodas, ou andando, ou correndo – isso não importa para Ken, o que eu acho incrível; afinal, vocês sabem, precisamos reconhecer que os homens são programados para serem atraídos pelo físico e pelos aspectos exteriores da mulher. Mas Ken sempre me olhou de uma forma um pouco, ou melhor, muito mais profunda. E, preciso dizer, isso realmente me ajudou muito quando os médicos tiraram meus seios e me olhei pela primeira vez no espelho do banheiro depois daquilo. O fato de Ken me aceitar pelo que sou por dentro me ajudou a superar este obstáculo de forma muito rápida e fácil. Foi incrível.
Conclusão
Meninas, a história da Joni e do Ken tem muitos outros detalhes legais, engraçados e que fazem a gente pensar. Para quem lê em inglês, recomendo muito comprar o livro “Joni & Ken: Un Untold Love Story” (veja onde no fim da matéria).
Quero destacar algumas coisas que aprendi:
- Joni e Ken colocaram sempre a vontade de Deus acima de todas as suas decisões. Não é fácil depender de Deus desse jeito, mas quanto mais a gente pratica, mais aprende a confiar.
- Não adianta tentar disfarçar as falhas no início do relacionamento. Em algum momento, elas aparecem. Quanto mais a gente tenta esconder, mais decepcionado o parceiro fica quando descobre a verdade. Melhor é ser honesto desde o começo.
- Se eu pudesse escolher uma única qualidade para um bom marido, seriam as seguintes palavras de Ken: “Eu me apaixonei pelo coração da Joni.” Acho que esse é o elogio mais lindo que podemos receber: que o nosso interior é tão lindo que consegue se sobrepor ao nosso exterior, pois mais bem cuidado (ou problemático) que ele seja. Meninas, ainda existem rapazes assim. Não acreditem quando as pessoas do mundo dizem que “homem é tudo igual”. Não é verdade – o homem que ama a Deus é bem diferente, e vale a pena esperar para encontrar um assim.
Extraído do livro Joni & Ken: Un Untold Love Story, Zondervan, 2013.
Disponível em versão impressa e para Kindle em http://www.amazon.com.br/Joni-Ken-Untold-Love-Story-ebook/dp/B008EGQX80/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1435706815&sr=8–1&keywords=joni+%26+ken (apenas em inglês).
iOS, Android e Windows: http://www.livrariacultura.com.br/p/joni-and-ken-17662559
[1] A população nativa do Havaí também tem traços orientalizados, com os olhos puxados e a pele mais escura que os europeus. (N.T.)
[2] www.joniandfriends.org – ministério que promove o trabalho com pessoas com deficiência, por meio de palestras, assessoria, acampamentos especializados, programas de rádio e TV e outros.
[3] http://www.christianpost.com/news/joni-eareckson-tada-husband-cancer-bruising-of-a-blessing-on-our-marriage-pt‑1–95783/#uTMVBGSb3bEsllGG.99. Acesso em 30.6.2015.
Traduzido por Doris Korber.